segunda-feira, 28 de agosto de 1989

O Trabalho, o Consumo, a Informática e o Futuro



Apresentado no "IFIP 11º World Computer Congress", em S. Francisco
28 Agosto 1989

 

1. INTRODUÇÃO

A motivação para este texto advém do convencimento de que, tal como noutras fases da história da sociedade humana, uma profunda mutação nos instrumentos de trabalho não pode deixar incólumes as relações de produção e a própria organização social.

 

A automatização da produção material, das tarefas administrativas, e de muitas áreas da produção intelectual, já hoje em curso mas que virá a sofrer uma intensificação brutal, tenderá a romper o actual equilíbrio social e económico.

 

Esse equilíbrio caracteriza-se por:
- Trabalho assalariado
- Salário ligado ao tempo de trabalho repetitivo
- Produção em massa
- Publicidade
- Mercado
- Consumo como recuperação dos salários pagos
- Consumo como condicionamento do comportamento dos que vendem trabalho
- Resultado final deste ciclo apropriado pelos que vendem mercadorias

 

Muitos autores têm escrito sobre as transformações em curso, quer na natureza do trabalho quer na vida de todos os dias, como resultado da evolução tecnológica. No entanto temas como a definição das classes e a luta de classes, a sobrevivência ou o desaparecimento do nosso ordenamento económico e social, ou são evitados ou são tratados de de forma excessivamente ligeira.

 

Pretende-se analisar a tese segundo a qual a informática, principal acelerador do processo de automatização, pode ela própria fornecer instrumentos para a superação da ruptura descrita.
Ninguém porá em duvida que, à luz das perplexidades e desafios actuais, a tarefa de caracterizar um novo modelo de relações e de motivações sociais, adequado às novas condições tecnológicas, merece o melhor do nosso esforço.

 


2. TRABALHO E CONSUMO

Desde que o trabalho se transformou, também ele, numa mercadoria tem sido medido, avaliado e remunerado pela sua duração.
Tal critério tem vindo a revelar-se cada vez mais inadequado e está a tornar-se um freio à incorporação social da actividade de milhões e milhões de seres humanos.

 

Por um lado verifica-se, à medida que se vão tornando mais complexos e potentes os instrumentos tecnológicos, que a intervenção humana tende a concretizar-se em intervalos de tempo cada vez mais curtos, de medição problemática.
Por outro lado, na medida em que o trabalho envolve uma componente cerebral cada vez mais intensa, perde sentido o conceito de tempo como critério de medição. Sendo o cérebro humano capaz de processamento “simultâneo” de numerosas tarefas é absurdo medir o tempo transcorrido se não se pode controlar que parte desse tempo foi atribuída a cada uma das tarefas de que se ocupou.

 

Por acção dos computadores é cada vez maior o número de processos repetíveis e repetitivos que podemos desencadear de forma quase instantânea.
Isto é verdade não só para os processos físicos, na produção material, mas também no trabalho de escritório e mesmo para muito trabalho que temos considerado “intelectual”.

 

A noção de duração e a noção de processo repetitivo estão inevitavelmente associadas e o progressivo desaparecimento do trabalho como execução de processos repetitivos arrastará tambem o desaparecimento da duração como critério para avaliação e remuneração do trabalho.

 

A automatização dos processos repetíveis, desejável na medida em que permita aproveitar nos seres humanos as suas qualidades superiores, implica uma revolução no conceito de trabalho e da sua remuneração.
A remuneração proporcionada pelo trabalho tem constituído a motivação essencial da produção na sociedade; os indivíduos, sujeitos à premência das necessidades básicas, ou ao receio de perderem o seu bem-estar, são levados a adoptar o comportamento disciplinado e organizado que a produção na sociedade implica.

 

O consumo tem sido, nas sociedades modernas, um mecanismo com objectivos importantes:
- conclusão do ciclo económico, que possibilita o retorno aos empregadores do dinheiro pago pelo trabalho comprado
- motivação dos que trabalham para a manutenção do comportamento que a sociedade deles espera
Como consequência do papel que lhe está reservado, o consumo caracteriza-se por:
- todos os consumidores são iguais desde que possuam o mesmo dinheiro ( e por definição consumidor é aquele que tem dinheiro pois de outra forma seria irrealizável a recuperação do mesmo )
- todos os produtos são equivalentes desde que custem o mesmo e possibilitem a mesma taxa de lucro ( ou seja, no processo de recuperação das despesas com o trabalho a utilidade ou perigosidade do produto é irrelevante )
- o mercado é, segundo os liberais, o grande orientador da produção. No entanto aqueles que produzem fazem tudo o que podem para influenciar (ou deturpar) as preferências dos consumidores e acabam por ser os mais poderosos a determinar o que se produz. Tal influência tem, aliás, como resultado determinar apenas em que medida cada um dos empresários tem acesso ao dinheiro que está a ser recuperado do conjunto dos consumidores.
- tal como o trabalho tem caracter essencialmente repetitivo também a produção se caracteriza pela execução de cópias, em massa, de modelos iniciais ( quer se trate de loiças sanitárias ou de gravações das sinfonias de Beethoven ). O processo de recuperação tem assim um caracter essencialmente quantitativo.

 

O mecanismo do consumo, tal como funciona hoje, apresenta os seguinte inconvenientes:
- Como se produz só para quem tem dinheiro nada garante que se produza o que é mais necessário
- As regras do mercado têm vindo a tornar necessária a produção de quantidades cada vez maiores para garantir o processo de recuperação. São conhecidas as consequências no esgotamento de recursos e no equilíbrio ambiental.
- A intervenção dos mecanismos de motivação para o consumo (como a publicidade) tem conduzido aos excessos que consistem na aquisição de produtos que não são utilizados ou que são mal utilizados.

 

O processo da automatização, nas fábricas e nos escritórios, tenderá a prazo a desapossar gigantescas multidões dos seus postos de trabalho e, por consequência, das remunerações.
Tenderíamos, portanto, para o absurdo de uma sociedade capaz de produzir, sem esforço, os bens e serviços necessários mas que a maioria não teria possibilidade de adquirir. Não esqueçamos que os que trabalham são simultaneamente obreiros e destinatários da produção.
Para além dos problemas e conflitos sociais previsíveis, não é difícil perceber que o que está em causa é o próprio funcionamento do sistema económico e social que conhecemos.

 

Se o desaparecimento do emprego tradicional e da correspondente remuneração na base do tempo são tendências irreversíveis, então o consumo que a eles estava associado pode também, e deve, ser posto em causa.
Assumindo um cenário de intensíssima automatização, que só pode corresponder a um desenvolvimento tecnológico muito mais avançado que o actual, parece legítimo esperar que já não constitua problema assegurar os bens essenciais a todos os cidadãos.
Assim sendo, quando alterados o conteúdo e os fins do trabalho, não parece difícil concluir estarem ultrapassados os actuais mecanismos de recuperação e de motivação implicitos no consumo.

 

O problema passa a ser, precisamente, compreender para quê e porquê trabalharão os homens no futuro e que mecanismos poderão levá-los a fazê-lo.
Paradoxalmente serão os computadores, principal acelerador da tendência que acabamos de descrever, as ferramentas capazes de permitir a superação destas contradições. As ferramentas, dizemos nós, pois não esquecemos que nunca foram as ferramentas mas sim os homens que, com elas, conseguiram os resultados.

 



3. O TRABALHO DOS CÉREBROS EM COOPERAÇÃO

Qual poderia ser a alternativa a uma prestação laboral que consiste em estar presente num determinado local, um certo número de horas por dia, a executar determinadas acções repetitivas ? Todos sabemos que há excepções a tal esquema mas ele é sem duvida o modelo dominante nas relações de trabalho.
Nos casos em que para além da permanência durante um certo tempo são também considerados os resultados obtidos, o que se pretende é que o tempo contratado seja aproveitado mais intensamente.
Mesmo nos casos conhecidos como “gestão por objectivos”, sob o pretexto de avaliar e recompensar a contribuição de cada trabalhador o que se pretende é garantir um elevado grau de motivação e responsabilização.

 

Ora como vimos a solução não está em intensificar o ritmo do trabalho, a velocidade na execução dos processos repetitivos; tal como a automatização dos processos repetitivos, o aumento dos ritmos do trabalho não pode senão conduzir ao desaparecimento do emprego no seu sentido tradicional.

 

Se o trabalho está a deixar de ser a execução de processos repetíveis isso só pode significar que, a prazo, o trabalho virá a ser a produção de contribuições originais, inéditas, que somando-se à definição anterior de processos ou técnicas os melhore, aperfeiçoe, torne mais eficientes.
A sua “remuneração” não poderá deixar de ser o resultado de uma avaliação relativamente ao grau e importância de tais contribuições.

 

Não é por acaso que hoje se fala tanto na inovação como algo de precioso, mesmo que seja só para decorar os discursos com flores de retórica. Embora o número dos indivíduos que podem eventualmente inovar, os meios postos à sua disposição e o aproveitamento das próprias inovações sejam problemas sem solução à vista, há já a intuição de que esse é o trabalho do futuro.
Por exemplo na elaboração deste texto puseram-se as seguintes questões: até que ponto as ideias nele contidas são originais ? quantos outros humanos pensaram ou estão a pensar sobre este assunto ? qual a “utilidade das teses defendidas ? estão demasiado avançadas em relação ao nosso tempo ? será que alguém vai usá-las ? como é possível divulgá-las ? e validá-las ? Estas são questões típicas que se colocam quando se está a criar, a inovar, a tentar adicionar algo num domínio do conhecimento.

 

Os meios tradicionais implicam, para responder a estas questões, demoradas visitas a bibliotecas, consulta de volumosa bibliografia e tais dificuldades terão desencorajado excelentes cérebros ao longo da história. O trabalho de reflexão e criação intelectual tem sido limitado aos estreitos círculos académicos que têm acesso, e dominam, as técnicas de pesquisa de documentos e têm disponibilidade para a ela se dedicarem.

 

Está portanto na ordem do dia, também, um grau nunca visto de democratização das actividades intelectuais no seu sentido mais nobre.
Como vimos nos pontos precedentes pode ser tomado como provável o seguinte conjunto de desenvolvimentos:
- Libertação da humanidade do trabalho repetitivo
- Advento de um novo trabalho com carácter criativo, de geração de novo conhecimento
- Cessação da retribuição do trabalho com base na duração

 

Os cérebros humanos não constituem um recurso escasso pelo menos quando comparados com as solicitações colocadas pela sociedade actual ao conjunto dos cérebros humanos. Milhões e milhões de cérebros não são “educados” nem incitados no sentido de prestarem à humanidade contributos importantes. Pode dizer-se que mesmo em sociedades ditas avançadas se encontram processos de alienação e embrutecimento organizados, para além da mais completa falta de condições práticas, no caso de se verificar o desejo de contribuir.

 

Verifica-se paralelamente uma verdadeira obsessão para conseguir imitar, utilizando os computadores, o funcionamento do cérebro humano. Tais desenvolvimentos, cujo interesse científico não é posto em causa, constituem contributos importantes para a compreensão que o homem tem de si próprio e terão consequências importantes na melhoria do dialogo do homem com as máquinas.
Seria talvez mais interessante investir em trabalhos científicos que permitissem a “cooperação” desses milhões e milhões de processadores que são os cérebros humanos. Tal passa pela extensão das redes de computadores, pelo aperfeiçoamento da comunicação homem máquina e pelos avanços na manutenção e exploração dos bancos de informação.

 

Mas se o trabalho deixa de ser repetitivo e medido pela duração é também necessário criar instrumentos que possam avaliar e integrar as contribuições criativas. Esse constituirá todo um novo domínio de aplicação dedicado à avaliação do conhecimento incremental (computer aided incremental knowledge evaluation - CAIKE).
Já hoje é possível encontrar nas grandes redes de computadores mantidas pelas mais poderosas sociedades transnacionais, sistemas de intercâmbio de informações e de conhecimento que consistem em gerar perguntas e dar respostas para um espaço magnético acessível aos membros da comunidade. Podem participar deste esquema dezenas ou centenas de milhares de indivíduos a partir de terminais instalados em dezenas de países de vários continentes.

 

Também as soluções Videotex, como por exemplo o Minitel em França, permitem já hoje por em comunicação milhões de pessoas. Essas pessoas podem trocar mensagens entre si ou aceder aos bancos de informação postos à disposição dos utentes contra o pagamento de uma taxa de acesso.
Estes exemplos demonstram que as soluções técnicas já existem embora venham sendo usadas para efeitos socialmente irrelevantes ou de escasso interesse. Para falar do futuro também podemos mencionar o ISDN (redes para voz, imagem, dados, etc).

 

Devíamos olhar os computadores como os sucessores dos livros como repositório do conhecimento humano e forma, por excelência, de transmissão do conhecimento no tempo e no espaço.
Os livros impressos, quando apareceram, constituíram um grande salto na difusão do conhecimento pela facilidade da sua produção e da sua consulta e pelo numero de autores que se tornou possível publicar.
Hoje os livros já não respondem a essas necessidades; pressupõem o acesso físico ao livro, o processo mecânico de folhear, a morosidade na pesquisa e apreensão do assunto, e não se consegue publicar senão os contributos de um número ínfimo de autores. O computadores podem dar respostas a esta questão. Claro que isto não impede o livro de poder constituir um objecto de uso agradável e adequado a certos ritmos de aprofundamento e reflexão.

 

A humanidade não se pode dar ao luxo de ignorar as potencialidades imensas do cérebros. O homem dispõe de interfaces com a natureza e com a sociedade que nenhum computador actual, ou imaginável, pode substituir (se é que tal objectivo pode realmente interessar).
Se é verdade que o computador pode bater o homem quando se trata de fazer somas aos milhões, ou mesmo resolver charadas, é bom não esquecer que só o homem é dotado de vontade. As motivações do homem radicam na sua condição de ser vivo complexo.

 



4. TRANSIÇÃO PARA UM NOVO MODO DE PRODUÇÃO ?

Pretende-se discorrer sobre as transformações no actual modo de produção, eventual transição para um modo de produção diferente, como resultado do aceleramento da automatização e informatização.
As traves mestras do modo de produção capitalista são a produção mercantil (ou seja para o mercado), o trabalho assalariado e a apropriação pelo capital do resultado da actividade produtiva com o pretexto da posse dos meios de produção.

 

A relação de assalariamento está, actualmente, sujeita a um processo de decomposição tanto no plano quantitativo (desemprego, trabalho em “part-time”, redução da população activa pela limitação do acesso dos jovens e mulheres, reformas antecipadas) como no plano qualitativo (emprego temporário, sub-contratação, trabalho clandestino, trabalho na administração publica).
Já não se trata só do facto de haver desemprego e de isso ser um flagelo social. Cada vez mais as empresas são julgadas pela capacidade que tiveram de conter ou reduzir o numero dos seus empregados, mesmo em sectores económicos florescentes. É com orgulho que os relatórios das administrações mencionam a redução ou estagnação do numero de empregados.

 

Multiplicam-se as campanhas publicitárias, os incentivos e os cursos para que os jovens montem a sua própria empresa. A ninguém é proposto que tente arranjar um emprego e muito menos um bom emprego. Ora, ao contrário do que muitos pensam, tal não constitui um reforço do capitalismo. Não há capitalismo só com patrões.
Por outro lado a progressiva intelectualização do trabalho tem como consequência subtrair a propriedade dos meios de produção (os cérebros humanos) e mesmo a matéria prima que trabalham, a informação, ao capital. Como múltiplos casos recentes têm demonstrado a simples posse de umas instalações fabris, por ex., quando não é acompanhada do know-how necessário à adaptação constante pode esvaziar-se de significado em prazos muito curtos. Quantas fábricas em perfeitas condições para produzir não estão irrecuperavelmente paradas, ultrapassadas pelas evoluções tecnológicas ou de mercado ? Pode dizer-se que o trabalho já não serve fundamentalmente para a obtenção de mais-valia mas sim para assegurar a posse dos meios de produção.

 

Na medida em que o capital vai deixando de cumprir as suas responsabilidades sociais como empregador e como proprietário dos meios de produção, é natural que veja posta em causa a sua apropriação da própria produção.
Já hoje é tecnicamente possível para muitos trabalhadores desenvolver a sua actividade de forma independente. O resultado de tal actividade podia em muitos casos, mesmo já hoje, constituir um novo tipo de mercadoria posta num novo mercado (electrónico ?) não para um determinado patrão mas cobrando de todos os que a ela acedessem.
Esta possibilidade não pode senão aumentar com a intelectualização do trabalho, a intensificação da componente científico-técnica na produção e a banalização das ferramentas tecnológicas.

 

A antiga divisão entre “vendedores de mercadorias” e “vendedores de trabalho” desaparecerá ou, pelo menos, deixará de ser dominante e determinante nas relações de produção.
Novas questões se levantarão, certamente, como a da propriedade da informação, a garantia dos “direitos de autor”, o estabelecimento das taxas de utilização dos produtos intelectuais, a protecção perante as tentativas inevitáveis para dissimular, neste novo ambiente, formas arcaicas de exploração da actividade intelectual.
Este novo sistema de relações de produção deverá ser capaz de superar a incapacidade actual para incorporar e aproveitar as capacidades intelectuais de milhões de seres humanos.

 

A sociedade ver-se-á invadida por contribuições criativas em tão larga escala que os pressupostos anteriores da propriedade e do poder serão esvaziados de sentido. As formas arcaicas de dominação económica e social serão constantemente desafiadas pelas novas ideias e novas técnicas. Como estas não podem ser ignoradas, sob risco de ruína, a sua aquisição constituirá um gigantesco processo de redistribuição da riqueza e do poder na sociedade. Tal não tem nada a ver com os nossos desejos mas sim com a lógica própria do sistema que imporá aos actores comportamentos aparentemente absurdos.

 

Tal como o caracter desmotivante do trabalho escravo “impôs” a passagem ao modo de produção feudal, também o assalariamento constitui uma forma inadequada para enquadrar o trabalho intelectual criativo do futuro.
Tanto o processo de intelectualização como a automatização do trabalho conduzem a uma incapacidade cada vez maior do modo de produção capitalista para assegurar a reprodução da relação de “assalariamento”. Este fenómeno é equivalente ao da substituição, no feudalismo, das rendas em trabalho por rendas em espécie, primeiro, e em dinheiro depois. Era a própria classe dominante, por razões que a evolução lhe impunha, a propor soluções que conduziam ao fim do seu domínio.
A subordinação da informação, matéria prima da produção intelectual, aos critérios estreitos dos interesses das sociedades e empresas, bem como a apropriação privada dos meios de transporte e difusão da informação constituem entraves inadmissíveis à produção do futuro.

 

Por todas as razões anteriormente explicitadas o modo de produção capitalista entrou na sua fase de transição para uma sociedade de novo tipo. As condicionantes técnicas que “justificaram” o assalariamento maciço (a grande industria e depois, por cópia, os grandes escritórios) já não se verificam. Os grandes conjuntos de máquinas operadas por numerosos homens, num mesmo local e ao mesmo tempo, resultado de um enorme investimento, estão a dar lugar aos cérebros humanos (por natureza isolados) produzindo em qualquer lugar e a qualquer hora, em cooperação uns com os outros pelo recurso à tecnologia.
A luta de classes milenar transferir-se-á agora para o domínio da posse da informação e dos meios de a transportar. Assim se percebe facilmente todas as “guerras”, entre os estados e as transnacionais, pelo domínio das telecomunicações.

 

As experiências já hoje existentes de subtração das relações de produção à lógica capitalista (países socialistas), correspondem a uma fase embrionária do novo modo de produção. Também as relações capitalistas de produção surgiram antes do aparecimento da grande industria mas só se impuseram e tornaram dominantes depois de ter surgido a sua base tecnológica própria.
As experiências de socialismo organizaram-se sobre uma espécie de “assalariamento sem patrão”. Isso explica que tais experiências venham revelando incapacidade para dar os saltos qualitativos que delas se esperam (o assalariamento, mesmo sem patrão, continua a ser uma relação com o trabalho muito limitadora).

 

As discussões sobre o desaparecimento, ou redução, da classe operária na fase actual do capitalismo têm sido orientadas num sentido errado. O desaparecimento da classe operária é precisamente um dos principais sintomas da fase terminal do capitalismo. Se não houver classe operária também não haverá patrões. Nunca foram as classes dominadas (escravos, servos feudais) que emergiram nos novos modos de produção.
Dominantes e dominados, exploradores e explorados, desapareceram com o sistema a que davam sentido.
Concretizar-se-ão finalmente os sonhos ingénuos dos liberais.

 

A iniciativa mais do que privada, individual, florescerá e o próprio “mercado” será mais autêntico se livre das distorções impostas pelos parceiros excessivamente poderosos e manipuladores. Os próprios “consumidores” poderão dedicar-se a conceber os produtos que gostariam que existissem, ou a inventar formas de tornar mais económico o que gostariam de consumir, em vez de serem alvos passivos de decisões alheias. A ligação entre a qualidade do trabalho e o consumo estabelecer-se-á naturalmente. O consumo deixará de ser apenas uma forma de obrigar a trabalhar mais e perderá o seu carácter essencialmente quantitativo.
Nem podemos imaginar os resultados da ligação directa entre os gostos, as necessidades, e os sonhos de cada um com o trabalho que executa.
Milhões de cérebros cooperantes levarão a humanidade para lá dos limites que conseguimos imaginar.


Sem comentários: