quinta-feira, 20 de novembro de 2003

05.00 Uma teoria para os trabalhadores de hoje

Passamos finalmente a tratar as implicações políticas práticas de tudo o que atrás ficou dito, na perspectiva de conquistar os trabalhadores de hoje para a transformação progressista da sociedade.
Esta necessidade é sentida de forma generalizada por muitos marxistas que se por um lado reconhecem a inexistência de um estudo sério da sociedade actual (do tipo daquele que foi feito por Marx na sua época) como Marta Harnecker [29] ou Miguel Urbano Rodrigues [30], por outro confrontados com a inexistência de propostas concretas da esquerda para uma sociedade alternativa, acabam por derivar para abordagens muito específicas ou “ecléticas” do tipo “outro mundo é possível” como Ronaldo Fonseca [31], Ignacio Ramonet [31], Lucien Séve [31] e muitos outros.
Recentemente, o próprio “Para um Manifesto da Renovação Comunista”, retoma esta questão de forma muito clara.[32]
Por meritórias que sejam estas preocupações acabam por projectar uma visão caótica da sociedade actual aonde parece não ser possível detectar um fio condutor que alicerce uma estratégia. Por isso não respondem à questão essencial de como convencer os trabalhadores e cidadãos da viabilidade de uma organização alternativa da produção em sociedade tomando em linha de conta que as motivações básicas dos destinatários da acção política continuam, e continuarão por muito tempo, a radicar nas preocupações de ordem material.
Sem negar importância aos grandes temas actuais como os da preservação ambiental, da igualdade racial e entre os sexos, da guerra e da paz, da fome, da doença e de outros grandes males que afligem a humanidade temos todos que reconhecer que, tal como sempre aconteceu, os grandes condicionamentos das opções políticas continuam a ser os medos e as expectativas dos cidadãos acerca dos seus meios materiais de vida, das formas de garantir o seu sustento e de como se proteger das incertezas do futuro.
Temos também que reconhecer que um cenário sócio-político só é credível se os cidadãos nele se virem retratados.
É para poder ir ao encontro destas preocupações que defendemos a absoluta necessidade de proceder a um reajustamento da Teoria do Valor e do conceito de Mais-valia de Marx, desvendando no mesmo passo os mecanismos presentes na sociedade actual que forçam a transição para novas formas de produzir.
Esta questão coloca-se em dois planos:
1. Acções
- Preservar a credibilidade das teorias marxistas no tempo actual e a possibilidade de os trabalhadores actuais nelas se reverem
- Redefinir os conceitos de forma a reflectir adequadamente o grau de exploração a que os trabalhadores estão hoje efectivamente sujeitos

2. Objectivos
- Conseguir a mobilização dos imprescindíveis agentes da mudança, os trabalhadores do conhecimento, para as transformações sociais.
Fruto do contexto e da época em que foram formulados, os conceitos implícitos nas teses nucleares do marxismo contêm anacronismos que não motivam e podem até afastar largas camadas dos trabalhadores de hoje.
Como vimos no capítulo “A linguagem dos números” a esmagadora maioria dos trabalhadores (65% em Portugal e 75% nos EUA), é hoje constituída por quadros, especialistas e técnicos, intelectuais e artistas, profissionais administrativos, vendedores e prestadores de serviços. Isto mesmo que se ignore que grande parte dos operários actuais, eles próprios, se estão a transformar progressivamente em trabalhadores que em vez de manipular directamente materiais desenvolvem a sua actividade pela manipulação de informação.
Esta constatação, que revela o erro da previsão dos marxistas clássicos quanto ao crescimento da classe operária no capitalismo [33], tem sido desvalorizada com base na tese de que os assalariados de hoje.
A adopção de tal tese implica no entanto uma imprescindível discussão sobre as implicações dessa “translação” além de não poder ignorar que os assalariados nas empresas totalizam apenas 34,3 % da população com mais de 15 anos .
Trata-se portanto de compreender em que medida é possível ganhar o maior número de trabalhadores, especialmente as camadas que já hoje produzem com meios de produção e relações de trabalho que não são as típicas do Capitalismo “puro”, para a transformação da sociedade, assumindo claramente que isso é inevitável para que se consiga o sucesso de um tal empreendimento.
Não se trata de fazer qualquer concessão oportunista ao estado presumidamente recuado de tais camadas no plano ideológico, para as cativar, nem de qualquer “amaciamento” da mensagem política para ouvidos mais delicados.
O que está em causa é antes reafirmar a irracionalidade do capitalismo, revelar o grau nunca imaginado por Marx da exploração actual e avançar claramente para o desenho de alternativas de sociedade que os trabalhadores de hoje entendam e com as quais se entusiasmem.

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