quinta-feira, 20 de novembro de 2003

02.04 Automatização e trabalho não repetitivo

Antes de prosseguir importa esclarecer o significado dos termos utilizados.

Automatização

Automatização, no contexto desta discussão, significa a redução do trabalho humano directo na produção de bens ou serviços economicamente relevantes, pelo uso de dispositivos automáticos.

Como a discussão incide sobre a automatização no Capitalismo é claro que quando falamos de automatização estamos a falar da substituição da mercadoria força de trabalho pela introdução de dispositivos automáticos.

Os dispositivos automáticos (DA) são muito variados e vão desde a simplicidade de um cartão de crédito até à complexidade de um super computador, de uma rede internacional de comunicações ou de um pacote de software de gestão.

A automatização pode ser total ou parcial, ou seja, para uma determinada tarefa pode haver uma substituição de todo o trabalho humano directo ou apenas de uma parte
De facto a automatização pode reduzir o trabalho humano directo de três formas:

1. Pela produtividade – O aumento da produtividade resultante do uso de dispositivos automáticos (DA) pelos trabalhadores permite a redução do tempo de trabalho directo numa determinada tarefa
(Ex: Com a ajuda de um programa de facturação uma pessoa produz as facturas que, noutras circunstâncias, exigiriam a intervenção de três trabalhadores).

2. Pela transformação – As tarefas sofrem uma transformação ou sofrem o efeito de transformações ocorridas a montante ou a jusante na cadeia de produção. As tarefas continua a ser executadas por outros trabalhadores mas o tempo total do processo torna-se menor depois da automatização
(Ex: os vendedores escrevem no seu próprio computador as propostas para os clientes e por isso desaparecem as dactilógrafas)

3. Pela eliminação – A tarefa deixa de ser feita pelos humanos, os DA substituem directamente os trabalhadores.
(Ex: A central telefónica automática distribui os telefonemas pelos trabalhadores da empresa pelo que deixa de haver telefonistas)

Trabalho não repetitivo (TNR)


O trabalho não repetitivo (TNR) é aquele cuja execução não pode ser objecto de descrição procedimental prévia. Em TNR é impossível “ensinar” a outrem um procedimento que, com elevada probabilidade, produza um determinado resultado.

Exemplos: não é possível dizer como se pinta um bom quadro a óleo, como se convence alguém a assinar um contrato, como se desenha um automóvel de sucesso, etc.

O TNR pode também ocorrer quando, embora exista um procedimento, este está muito dependente das circunstâncias ou das especificidades da sua aplicação.
(Ex: A cirurgia quando se exerce está altamente dependente das características físicas e orgânicas do paciente e das complicações que possam ocorrer).

Pela sua própria natureza o trabalho não repetitivo não é passível de automatização pois os dispositivos automáticos são essencialmente baseados em procedimentos.


Viabilidade da automatização


Não se pense no entanto que só o trabalho não repetitivo (TNR) escapa à automatização.

A viabilidade da automatização, em Capitalismo, não é apenas um problema tecnológico. Depende também de factores económicos, psicológicos, etc.
Mesmo que seja tecnicamente possível produzir um determinado automatismo isso não significa que ele seja economicamente atraente ou mesmo que ele seja socialmente viável.

(Ex: Numa fábrica de componentes para automóveis no distrito de Setúbal, nos anos 90, duas mulheres recolhiam de um tapete rolante uma peça com cada uma das mãos e arrumavam-nas em caixas de cartão. Parecia ser um trabalho totalmente mecânico e obviamente desinteressante. O Director da Produção ao ser questionado acerca da eventual automatização desta tarefa explicou que não era economicamente justificável porque as mulheres:
a) quando pegavam nas peças, antes de as pôr nas caixas, faziam uma inspecção visual que nenhum robot podia substituir.
b) podiam ser substituídas por outras em qualquer momento se decidissem ir-se embora pois não era necessária nenhuma habilitação especial
c) ganhavam um salário muito baixo
Trata-se de um exemplo em que uma capacidade humana que quase todos temos, a visão, constituía uma barreira técnica à automatização, a que os baixos salários acrescentavam uma barreira económica.

Está banalizada a ideia errada de que a automatização ameaça todas as tarefas que sejam manuais ou simples. Pelo contrário podemos dizer que algumas das tarefas “simples” mais depreciadas socialmente podem ser muito difíceis de substituir (Ex: A tarefa do estafeta externo de uma empresa não pode ainda ser automatizada).

Podemos esboçar uma listagem das capacidades humanas que, nas condições tecnológicas, económicas e sociais de hoje podem constituir barreiras à automatização das tarefas que delas dependam em larga escala:

a) Criatividade/Imaginação – Corresponde em geral ao conceito de TNR

b) Representação mental do mundo envolvente – O ser humano detém uma complexa representação mental do contexto natural e social em que se insere, a qual nenhum dispositivo automático pode emular.
(Ex: A tarefa do estafeta ou do carteiro não podem ser automatizadas pois o “mapa” de uma cidade e dos eventos inesperados que nela ocorrem não pode ser “ensinado” a um robot)

c) Acuidade dos sentidos e interpretação dos seus sinais – Os sentidos humanos, com especial destaque para a visão, não são passíveis de emulação por autómatos. Muito dependentes da “representação mental do mundo envolvente” têm uma capacidade enorme de, por exemplo, interpretar as imagens e sons o que constitui tarefa muito mais complexa do que a simples captação.
(Ex: A inspecção visual de padrões industriais complexos, ou socialmente codificados como nos casos da manutenção da ordem)

d) Destreza física - Mesmo a este nível surgem situações em que o homem vence a máquina.
(Ex: Numa fábrica de limas, de uma firma internacional, com elevado grau de automatização, anos 80. Alguns operários com uma simples bancada e um martelo aplicavam um número variável de pancadas secas em cada lima que manipulavam. Tratava-se de “desempenar” as limas acabadas de produzir. Com um simples relance mediam o defeito, calculavam a correcção necessária e despachavam o assunto com uma ou duas marteladas. Um robot para fazer o equivalente a esta tarefa teria um custo incomportável).

e) Relacionamento humano – Muitas tarefas, mesmo que fossem automatizáveis do ponto de vista tecnológico e económico, não poderiam deixar de ser executadas por humanos.
(Ex: Poucos gostariam que um penso fosse feito por uma máquina em vez de um enfermeiro).

Para determinar até que ponto uma profissão está ou não ameaçada pela automatização basta avaliar em que medida as tarefas que cumpre estão ou não dependentes das capacidades humanas acima listadas. Convém também não esquecer que a automatização pode não ser a substituição pura e simples do trabalhador; como vimos pode resultar da transformação de tarefas a montante ou a jusante na cadeia de produção
(Ex: a introdução dos cartões de crédito tornou desnecessários muitos empregados bancários que processavam os cheques e muitos caixas que entregavam as notas ao cliente)
Todas as barreiras à automatização mostram que o trabalho repetitivo vai continuar sempre a existir, embora muito transformado. Também a agricultura não desapareceu pelo facto de, com a Revolução Industrial, ter perdido a preponderância na economia.
No entanto a agricultura da era industrial é muito diferente da agricultura da fase anterior.

Sem comentários: